A necessária campanha para diminuir a evasão nos cursos de Bacharelado em Estatística no Brasil

(Doris Fontes)

A ASA (American Statistical Association) publicou um artigo no dia 01/08/2018 comemorando o aumento de universidades oferecendo BS Statistics, assim como BS Biostatistics, MS e Ph.D tanto em Estatística como em bioestatística. O artigo pode ser lido aqui.

Em suma, o artigo mostra o franco crescimento no número de egressos nos Estados Unidos desde 2003, mas, aqui, desde 2004 (quando eu comecei a acompanhar o Censo do INEP), temos a seguinte situação, resumidamente:

Nº de programas de Graduação em Estatística aqui e nos EUA, além do programa de mestrado em estatística. Notem que o número de bacharelados em estatística aqui no Brasil cresce a partir de 2007, acredito eu, por causa do REUNI.

 

 

Um fato relevante nos EUA é a explosão de interessados no programa de AP STATISTICS: saltou de menos de 8 mil em 1997 para pouco mais de 219 mil participantes em 2019. Apesar da pequena queda de 2018 para 2019, os números impressionam, já que mostra a popularidade que alcançou esse programa em Estatística.

(The AP Statistics course is equivalent to a one-semester, introductory, non-calculus-based college course in statistics. The course introduces students to the major concepts and tools for collecting, analyzing, and drawing conclusions from data. There are four themes in the AP Statistics course: exploring data, sampling and experimentation, anticipating patterns, and statistical inference. Students use technology, investigations, problem solving, and writing as they build conceptual understanding.  https://apcentral.collegeboard.org/courses/ap-statistics/course)

 

 

Comparando egressos vs vagas oferecidas pelas universidades brasileiras, temos:

 

Formandos por tipo de universidade:

 

O número de vagas oferecidas também cresceu a partir de 2007 (REUNI), mas o número de egressos não aumentou, estando basicamente estagnado em torno de 430-440 formandos. Poderíamos dizer que, a grosso modo, a taxa de evasão da estatística beira os 75%.

No Brasil já começa a aparecer programas de graduação e pós em Ciência de Dados, assim como reestruturação de Bacharelados em Estatísticas que migraram para “Bacharelado em Estatística e Ciência de Dados”, como na USP de São Carlos.

As vagas para profissionais de Analytics/Big Data/Data Science cresce muito no mundo  todo. Se você entrar hoje no site do indeed.com e fizer uma busca por “analytics”, vai encontrar algo como 140 mil vagas. Lógico que tem muita coisa misturada, mas mostra o potencial de mercado para quem sabe analisar dados. No blog do CONRE-3 de Oportunidades de Trabalho para Estatísticos (https://www.facebook.com/groups/statjobs/), hoje com cerca de 12.500 membros, temos divulgado milhares de vagas de trabalho por ano — e são vagas parciais, pois muitas empresas publicam apenas na Catho, ou sequer divulgam (preenchimento através de indicações somente). Se formamos menos de 500 num ano, está claro que não temos capacidade para prover profissionais para o mercado interno. Pior ainda, alguns bons estatísticos saem do país.

Talvez todos nós, da comunidade estatística — academia, mercado de trabalho e conselhos profissionais — possamos pensar juntos sobre formas de melhorar esse índice de evasão, num programa conjunto, mais agressivo, de divulgação da nossa área junto aos alunos do ensino médio. O CONRE-3 tem recursos bem pequenos (muito em função do desinteresse dos estatísticos pelo seu conselho profissional — às vezes até boicote de formandos e professores), mas, dentro do possível, temos tentado implementar muitos programas de valorização, divulgação e fortalecimento da nossa profissão: eventos ligados ao mercado de trabalho, TENDA ESTATÍSTICA (através de esforço conjunto com a ABE e SBPC) para estudantes de todas as idades, palestras em escolas ou envio de material de divulgação da estatística aos alunos de EM; ajuda aos deptos de estatística com palestras e materiais de apoio; ajuda a eventos variados (como o SINAPE, RBras/SEAGRO, Semests, feira de profissões etc). Somos auditados anualmente pelo TCU e não temos muita flexibilidade para o uso de nossa verba, então, trabalhamos dentro das nossas possibilidades.

O problema de evasão é grave, triste e precisa ser estudado e combatido. Alegar simplesmente que os alunos que entram são fracos não é razoável. A falta de prestígio da nossa área pode atrair um monte de alunos interessados apenas na baixa concorrência nos vestibulares. Isso não é bom.

Em conversas com o estatístico Julio Trecenti (ex-presidente do CONRE-3 e atualmente conselheiro do CONFE), chegamos a discutir a “morte” da nossa carreira no mercado de trabalho para o “cientista de dados”. Já há departamentos de computação interessados em oferecer Bacharelado em Ciência de Dados, assim como há engenharias interessados em “Engenharia Estatística”. Em movimentos mais organizados da SBC (Sociedade Brasileira de Computação), observamos um interesse bem maior dos cientistas da computação pela área de ciência de dados do que entre os estatísticos.

Enfim, pensei em compartilhar um pouco das minhas preocupações.

Doris Fontes – 02/09/2021.